A reportagem da revista Veja sobre o caos administrativo em Itaocara é uma pequena mostra do que é esse partido onde o discurso é um mas a prática é outra. Falo com propriedade por que fui filiado ao partido por um pequeno período de tempo e vi o que acontece longe das plateias, motivo pelo qual me desliguei da entidade.
A matéria é um pouco extensa, mas vale a pena para o leitor ter conhecimento da tragédia que é Gelsimar Gonzaga como prefeito e de como alguns figurões do partido agem para tentar salvar o seu mandato. Em mim as notícias causaram náuseas:
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Gelsimar é da mesma corrente política de Cláudio Leitão no Psol |
O caos da primeira
experiência do PSOL no governo
Partido pediu socorro a
Garotinho para conter a briga política em Itaocara e evitar que a
vitrine socialista se transforme em vexame nacional
Alvo de
uma Comissão Parlamentar de Inquérito, o prefeito de uma pequena
cidade pega o próprio carro, um Fusca montado com caixas de som, e
passa a convocar a população aos brados para protestar na Câmara
Municipal, controlada pela oposição. Poderia ser Sucupira, a cidade
fictícia de Odorico Paraguaçu em O Bem Amado, mas a cena ocorreu em
meados de dezembro em Itaocara, no Noroeste Fluminense. “Se quiser
me matar pode matar. Nós acabamos com a corrupção, por isso estão
com raiva”, diz, em um trecho de sua pregação, registrada em
vídeo e publicada no Youtube, o prefeito Gelsimar Gonzaga, primeiro
governante eleito pelo PSOL no país. O município de 23.000
habitantes imediatamente tornou-se vitrine para o partido.
Ex-sindicalista, Gelsimar assumiu com medidas populistas de alto
poder de repercussão, como a redução do próprio salário e a
escolha de secretários em “assembleias populares”, por
aclamação. O resultado destas e outras experiências de teorias do
PSOL, em confronto com as necessidades da população e a realidade
das pequenas cidades, é um caos administrativo e político que
paralisa o poder público e penaliza os moradores.
Os 44% de
preferência (6.796 votos) do PSOL na cidade puseram Itaocara no mapa
do partido no primeiro turno de 2012. A cidade logo virou vitrine e
tornou-se ponto de peregrinação dos cabeças da sigla, como Ivan
Valente, deputado federal por São Paulo, Luciana Genro, ex-deputada
pelo Rio Grande do Sul, e Marcelo Freixo, deputado estadual
fluminense. Itaocara, desejava o partido, deveria ser um modelo de
gestão inovador, diferente de “tudo isso que está aí”, como
fisiologismo e concessões a aliados políticos. O primeiro ano da
gestão de Gelsimar, no entanto, não saiu como imaginavam ele e o
partido. Em guerra com o Legislativo, que transformou a CPI em uma
“comissão processante”, com poderes para aprovar inclusive o
impeachment do mandatário, Itaocara terminou 2013 com salários
atrasados para servidores, médicos em greve e nenhuma perspectiva de
resolução do impasse com os vereadores.
O caos em
Itaocara mobilizou a cúpula do PSOL no Rio de Janeiro. No fim do ano
passado, o partido pôs na rua uma operação que se assemelha às
velhas práticas da política. Com Gelsimar encurralado na Câmara
Municipal – dos onze vereadores, dez são de oposição – foi
necessário recorrer a um aliado para tentar evitar que a vitrine
socialista se transforme em vexame nacional. O processo foi liderado
pelo deputado estadual Marcelo Freixo, alçado ao status de maior
liderança do PSOL no Estado desde a conquista do segundo lugar na
eleição contra Eduardo Paes. Ao perceber que uma Câmara dominada
pelo PR estava articulando o impeachment do aliado, Freixo buscou
ninguém menos que Anthony Garotinho para tentar uma composição. O
ex-governador é abertamente criticado por Freixo e pelo PSOL.
A
negociação mostra como a população de Itaocara está, atualmente,
espremida na condição de moeda de troca da política. De início,
não foi simples construir um acordo pela governabilidade em
Itaocara. O PSOL faz oposição ferrenha ao governo de Rosinha
Garotinho em Campos dos Goytacazes (RJ), influenciando sindicatos e
dificultando a adoção de medidas na área da educação. Mas
Garotinho cedeu – não por solidariedade, ressalte-se. Simplesmente
por ter outros adversários mais importantes para se preocupar em
2014, como Sérgio Cabral e Lindbergh Farias. O pedido de ajuda do
PSOL a Garotinho é o prenúncio de outro muito maior que está por
vir: Freixo precisará dos votos do PR se não quiser ver cassada
Janira Rocha, a deputada estadual que desviou dinheiro de um
sindicato para campanhas do PSOL.
Com
alguns telefonemas, Garotinho articulou um encontro entre Freixo e o
vereador Robertinho, presidente da Câmara de Itaocara. A conversa
nas últimas semanas de 2013, também presenciada pelo deputado
federal Paulo Feijó (PR), o deputado estadual Paulo Ramos (PSOL) e
dois vereadores, traçou um cenário de paz para este ano. Não será
tão simples: Robertinho diz que não dará trégua e chama Gelsimar
de “louco”. Ele acusa o prefeito de beneficiar apadrinhados com
pagamento de horas extras e de ter contratado um ônibus por 7.000
reais para levar estudantes a um congresso do PSOL em Goiânia.
Para
tirar o poder público da imobilidade, a prefeitura tem recorrido aos
quadros do PSOL nacional que podem destinar recursos para Itaocara.
Para 2014, os deputados federais Chico Alencar e Jean Wyllys
reservaram 3 milhões de reais, cada um, para a estruturação de
unidades especializadas em saúde. Dos 15 milhões de reais em
emendas a que tinha direito em 2013, Wyllys reservou 4,1 milhões de
reais para o município de Gelsimar. O governo federal só empenhou,
desse total, 1,5 milhão para a construção de um novo hospital na
cidade. A secretária municipal de Saúde, Wanessa Gonzaga de
Oliveira, no entanto, diz que os recursos não podem financiar outro
hospital e serão usados na unidade atualmente em funcionamento,
mesmo sendo este um prédio em área de risco de inundações.
Gelsimar
só pode contar com os amigos. O prefeito tentou, em um encontro com
o vice-governador, Luiz Fernando Pezão, obter asfaltamento de vias
na cidade. Até hoje, não houve movimento nesse sentido. E o
programa Somando Forças, marca do governo Sérgio Cabral em suas
obras no interior, não destinou recursos para o município governado
pelo PSOL.
Agente de
saúde concursado, Gelsimar, que até a eleição era também
presidente do sindicato dos Servidores Municipais da cidade, defende
sua gestão citando, como um dos principais feitos, o subsídio às
passagens de ônibus intermunicipais para estudantes universitários,
a um custo de 80 mil reais por mês. Não restou muito para mostrar.
As medidas inéditas não sobreviveram. Dos secretários de Saúde,
Educação, Obras e Agricultura aclamados em assembleia popular, três
abandonaram o governo. “Não aguentaram a pressão”, sentencia o
prefeito.
Há, de
fato, muita pressão. Mas só ela não explica a história. Um deles,
o bombeiro Eduardo Moreno, é investigado pelo Ministério Público
pela suspeita de utilizar recursos da prefeitura sem ter sido
nomeado. O vice-prefeito Juninho Figueira (Pros), que virou
adversário político de Gelsimar em outubro, diz que Moreno chegou a
trabalhar como secretário. O secretariado também acabou envolvido
nas velhas práticas da política, criticada por Gelsimar e o PSOL.
Escolhido por Gelsimar, o secretário municipal de Administração,
Alexandre Souza da Fonseca, contratou a própria esposa para
trabalhar na pasta. Teve de deixar o governo logo no começo. Corre
no Ministério Público do Estado do Rio um inquérito para
investigar a contratação.
Insatisfeito
com a reduzida quantidade de cargos comissionados em comparação à
administração anterior, Gelsimar tentou criar por decreto municipal
mais de 100 vagas de Direção e Assessoramento Superior (DAS). Mas
logo teve de desistir do projeto, que começou a ser investigado pelo
MP por ser inconstitucional. “Caíram de 160 cargos comissionados
na gestão anterior para cerca de 20 nesta, por aprovação da Câmara
Municipal. O certo é fazer concurso público. Mas era a solução
que tinha”, disse Gelsimar em entrevista ao site de VEJA.
Saúde –
O Hospital Municipal de Itaocara, único público na cidade, é
exemplo dos desafios que a prefeitura enfrenta. Instalado em área de
risco de inundações na beira do leito do rio Paraíba do Sul, a
unidade sofre com filas, falta de médicos, atrasos em exames e
consultas. O prefeito considera uma vitória de sua gestão, na área
de saúde, ter adquirido, no primeiro ano de governo, um aparelho de
ultrassonografia para exames. O equipamento foi entregue em dezembro,
mas ainda estava lacrado na caixa na semana passada.
Na última
quinta-feira, a dona-de-casa Sandra Carrilho, 40 anos, esperou mais
de uma hora para que o vizinho, com uma hemorragia em uma cicatriz
aberta na cabeça, fosse medicado. “As enfermeiras não trabalham
direito. Tem médico que só atende o paciente em pé no consultório,
de tanta pressa. O hospital está uma imundície”, dizia.
Itaocara
não chega a ser uma cidade complexa. O município possui apenas uma
linha de ônibus para circular pela cidade, de hora em hora. Não
existe cinema – reclamação constante de moradores. Mas há
demandas mais urgentes. Na estimativa da prefeitura, falta asfaltar
10 quilômetros de ruas na área urbana e 800 quilômetros em vias
rurais. Responsável por 0,06% do Produto Interno Bruto (PIB,
conjunto de bens e serviços produzidos na região) do Rio de
Janeiro, a economia de Itaocara dobrou de tamanho de 1999 a 2011,
gerando 281 milhões de reais em riquezas. A maior parte desse
dinheiro é dependente da renda gerada pelo setor público, que saiu
de um peso de 29,91% da atividade econômica para 38,57% no período.
Os gastos estão próximos do limite: a despesa com pessoal foi de
12,6 milhões de reais, ou 41% da receita corrente líquida de 30,9
milhões de reais, de janeiro a outubro deste ano – o máximo a que
se pode chegar, com a Lei de Responsabilidade Fiscal, é de 54%. O
município é o maior produtor de quiabo do Estado – os produtores
rurais reclamam que nenhuma das ações de Gelsimar para incentivar a
agroindústria saiu do papel até hoje.
A falta
de disposição de negociar com aliados foi o que motivou o racha
entre Gelsimar e o vice-prefeito Juninho. O prefeito alega que o vice
pediu três secretarias para permanecer no governo e não sair do
PSOL. O vice, por sua vez, diz ter requisitado apenas uma pasta. E
acusa Gelsimar de ameaçar demitir sua noiva, contratada
temporariamente assim que o partido assumiu a prefeitura. A noiva do
vice pediu demissão. E Juninho, agora em uma trincheira contra o
ex-aliado, diz que abandonou o grupo por falta de espaço para
trabalhar e por não concordar com a cobrança de uma taxa de 20% do
salário de 7.500 reais, feita pelo PSOL, a título de “exigência
estatutária do partido”. Juninho conta que ficava incomodado em
entregar 900 reais em espécie, todo mês, para uma secretária do
prefeito, sem saber no que seria usado o dinheiro. “Ficava
preocupado, porque não sabia para onde estava indo. Sentia até que
estavam me lesando. Entregava o dinheiro na mão de uma secretária
de confiança do prefeito”, diz.
O vice
tem mais munição. Acusa o prefeito, que é presidente do diretório
municipal de Itaocara, de ameaçar com represálias funcionários que
não se filiavam ao PSOL. O Ministério Público investiga se o
prefeito exige que comissionados e contratados sejam filiados ao PSOL
para serem efetivados. Gelsimar nega. “Fizeram campanha maciça
para filiar funcionários. Ou era do PSOL ou estava fora. Tinha uma
leve perseguição”, acusa.
A postura
radical do prefeito é responsabilizada pela paralisia no crescimento
da cidade. Os salários atrasados dos servidores atrapalharam até as
vendas de fim de ano, reclamam comerciantes. Embora diga que mantém
“relações republicanas” com os outros poderes, Gelsimar chega a
dizer que não há possibilidade de negociar com os vereadores pela
aprovação de projetos. “No Brasil, esquerda é perseguida mesmo.
Quando negocia, vai para a cadeia como José Genoíno e José Dirceu.
Quando não negocia, é cassada. Mesmo que eu seja cassado, não
negocio com ninguém”, avisa Gelsimar.
Fonte: http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/o-caos-da-primeira-experiencia-do-psol-no-governo